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Comentários do Dr. Breno Falcão sobre estudo apresentado por Dr. Sripal Bangalore PCR e-COURSE 2020


Dr. Breno Falcão
Dr. Breno Falcão

Comentários do estudo: Routine Revascularization vs. Medical therapy: Meta-analysis and Review, apresentado por Sripal Bangalore durante o PCR-e-COURSE 2020

Quais as principais conclusões dessa meta-análise e sua importância para a prática clínica?

Essa meta-análise reuniu os principais estudos randomizados que compararam a estratégia inicial de revascularização miocárdica de rotina versus o tratamento clínico isolado em pacientes com doença cardíaca isquêmica estável. Ao todo foram incluídos 14 estudos, somando 14.877 pacientes com seguimento médio ponderado de 4,5 anos que resultaram em 64.678 pacientes-ano de seguimento.

A análise desses dados acumulados possibilitou maior poder para detectar e maior precisão para quantificar diferenças entre as estratégias quanto a desfechos clínicos importantes, como mortalidade geral e cardiovascular, infarto do miocárdio, angina instável, insuficiência cardíaca, acidente vascular encefálico e período livre de angina. Os principais resultados observados foram:

  1. Não houve diferença quanto a taxa de mortalidade entre as estratégias invasiva e conservadora;

  2. A estratégia de revascularização rotineira foi associada a redução no risco de infarto do miocárdio espontâneo (RR = 0,76, IC 95% 0,67 – 0,85), às custas de incremento na taxa de infarto do miocárdio relacionado ao procedimento (RR = 2,48, IC 95% 1,86 – 3,31), não se observando diferença na taxa total de infarto do miocárdio.

  3. A estratégia de revascularização rotineira associou-se também a redução na ocorrência de angina instável (RR = 0,64, IC 95% 0,45 – 0,92) e a maior período livre de angina (RR = 1,10, IC 95% 1,05 – 1,15), sem diferenças quanto a insuficiência cardíaca ou acidente vascular encefálico.

Como essa meta-análise reuniu estudos conduzidos em diferentes fases evolutivas do tratamento da doença coronária estável, distribuídos em cerca de duas décadas, estratos categorizando os estudos quanto a utilização predominante de stents e quanto ao uso predominante de estatinas, foram comparados. Os resultados foram semelhantes na análise de sensibilidade avaliando os estudos da era estatina e da era não estatina, bem como quando se comparou estudos da era stent versus da era não stent. Entretanto, na análise restrita a estudos com uso predominante de stents, embora não tenha sido identificado diferença significativa na taxa total de infarto do miocárdio (RR = 0,89, IC 95% 0,80 – 1,00) entre as estratégias invasiva e conservadora, o resultado foi limítrofe em favor da estratégia de revascularização, o que merece exploração adicional.

Algumas limitações dessa meta-análise podem ser apontadas como o fato de se tratar de meta-análise não baseada em dados individuais, de haver um racional claro para heterogeneidade entre os estudos (embora não detectada nos testes estatísticos), de se ter adotado uma definição de infarto do miocárdio variável entre os estudos e de stents farmacológicos terem sido predominantes em apenas três dos catorze estudos.

Transpor esses resultados para a prática clínica requer analisar sua validade externa, em particular, o perfil de pacientes para os quais esses resultados se aplicam e a forma como foram tratados. Os estudos em questão incluíram tipicamente pacientes com doença arterial coronária crônica estável, pouco sintomáticos (CCS I ou II), com fração de ejeção do ventrículo esquerdo maior ou igual a 35% e excluíram pacientes com lesão significativa no tronco da coronária esquerda. Portanto, esses resultados NÃO se aplicam a pacientes com síndromes coronárias agudas, com angina de difícil controle, condições instáveis, disfunção ventricular esquerda importante ou lesão no tronco da coronária esquerda. Quanto ao manejo, o tratamento clínico com aspirina e estatinas foi equivalente em ambos os grupos (exceto do estudo AVERT) e procedimentos de revascularização foram realizados ao longo do seguimento em 87,5% dos pacientes no grupo intervenção (ICP em 71,3% e CRM em 16,2%) e em 31,9% dos pacientes randomizados para tratamento clínico isolado inicial.

Dessa forma, em pacientes com doença isquêmica cardíaca estável, pouco sintomáticos ou com sintomas controlados, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo relativamente preservada e sem lesão no tronco da coronária esquerda, a estratégia inicial de tratamento clínico isolado, seguindo metas das diretrizes, pode ser adotada sem incremento no risco de mortalidade. Alternativamente e a qualquer tempo, poderá se recorrer a estratégia invasiva com intenção de revascularização, como um tratamento mais eficaz para alívio da angina e capaz de prevenir quadros de angina instável e de infartos do miocárdio espontâneos, às custas de incremento no risco de infartos do miocárdio periprocedimento. Ênfase na decisão clínica individualizada, compartilhando risco-benefício das alternativas de tratamento com o paciente deve ser estimulada, perseguindo adesão rigorosa às metas clínicas e, no caso de indicação de revascularização percutânea, adotando com liberalidade avaliação fisiológica invasiva para guiar a intervenção, stents farmacológicos de nova geração e imagem intravascular para maximizar a segurança e otimizar os resultados da intervenção.

Em sua opinião, em qual cenário clínico as intervenções coronárias percutâneas teriam seu principal papel?

Não há dúvidas de que o papel principal da intervenção coronária percutânea é no tratamento das síndromes coronárias agudas, em particular no infarto agudo do miocárdio com supradesnível de segmento ST, situação em que a intervenção coronária percutânea é capaz de abortar o infarto, reduzir o dano miocárdio, preservar a função ventricular esquerda, prevenir insuficiência cardíaca, prevenir reinfarto do miocárdio, reduzir acidente vascular encefálico e prolongar a sobrevida.

Entretanto, dentro do contexto da doença arterial coronária crônica estável, tratada nessa discussão, o tratamento clínico otimizado com drogas modificadoras da evolução da doença e o controle agressivo dos fatores de risco devem ser a primeira linha de tratamento, recomendados praticamente de forma universal. Naqueles pacientes com angina ou equivalente anginoso inadequadamente controlados a despeito do tratamento anginoso otimizado, com disfunção ventricular esquerda importante, sintomas de insuficiência cardíaca, lesão no tronco da coronária esquerda ou com características de alto risco em testes não invasivos, cujo perfil cognitivo, afetivo, físico e de comorbidades os tornem eventuais candidatos a procedimentos de revascularização, recomenda-se realizar avaliação anatômica invasiva coronariana complementada, se necessário, por avaliação funcional invasiva com a intenção de revascularização miocárdica funcional, idealmente completa. O julgamento individualizado integrando as informações clínicas, anatômicas e funcionais e compartilhando o processo decisório com o paciente é fundamental para selecionar os pacientes que mais se beneficiam da intervenção coronária percutânea.

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